A metáfora dos 5 macacos sob a ótica analítico-comportamental |
Os três últimos artigos nos serviram para fornecer uma breve introdução aos três métodos ágeis mais conhecidos (Scrum, XP e Kanban) e para destacar que nenhum método é completo ou perfeito.
Ao decorrer da série Agile, iremos explorar maneiras de aproveitar melhor os benefícios que os métodos ágeis podem oferecer, para entendermos não apenas a forma das práticas, mas também a essência de cada uma delas. E neste artigo, iremos falar de fluência ágil, um termo cunhado por Shore (2018) e Larsen (2018), e estágios de maturidade e evolução de uma equipe. Para ilustrar, iremos iniciar com o famoso experimento científico de análise comportamental com macacos. Você já deve ter ouvido este experimento, mas caso contrário, irei descrevê-lo.
Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula. No meio da jaula, havia uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia na escada para pegar as bananas, os cientistas jogavam um jato de água fria nos outros macacos que estavam no chão.
Depois de certo tempo, quando um macaco tentava subir na escada, os outros batiam nele (com medo de tomar outro jato). Depois de algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas.
Os cientistas, então, trocaram um dos macacos por outro novo. Quando ele tentou subir a escada para pegar as bananas, também apanhou dos outros. Outro macaco foi substituído e o mesmo episódio se repetiu por diversas vezes, e inclusive os novos macacos aprenderam a bater nos outros que tentavam pegar as bananas.
Depois de algum tempo, todos os macacos foram substituídos, porém o hábito permaneceu, e mesmos os macacos que nunca viram o jato d’água continuavam batendo naqueles que tentavam subir para pegar bananas.
Se fosse possível perguntar a algum deles porque eles batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria algo do tipo: “não sei, mas as coisas sempre foram assim por aqui”.
O resultado deste experimento lhe parece familiar? Pois bem, infelizmente, isso não é tão incomum, pois diversas equipes ágeis podem cair nesse engano. O engano do tipo "regra que já não faz mais sentido, mas que, porém, continua sendo utilizada por todos, mesmo sem que saiba o motivo".
Felizmente, os métodos ágeis ganharam bastante popularidade e, atualmente, vêm sendo utilizados por grande parte das organizações que desenvolvem software, mas essa popularidade também trouxe alguns problemas, porque diversas empresas passaram a se interessar por métodos ágeis apenas porque grandes empresas do mercado estavam utilizando, porém não buscaram entender a essência (colaboração, agregar valor de negócio, entregas frequentes, etc.) e ficaram apenas na forma (quadros na parede, estimativas com cartas, backlogs, etc.).
Shore (2018) e Larsen (2018) afirmam que muitos líderes de organizações ainda se queixam de que não estão conseguindo alcançar os benefícios que esperam com a adoção de métodos ágeis e, por isso, desenvolveram um modelo de fluência ágil para ajudar as organizações a alcançarem esses benefícios com mais eficiência. Eles continuam destacando que a fluência ágil diz respeito à maneira com que a equipe responde quando está sob pressão e evidenciam que qualquer um pode seguir um conjunto de práticas quando há tempo para focar em uma sala de aula, mas a verdadeira fluência requer habilidade e prática frequente que persiste mesmo quando sua mente está distraída com outras coisas, é uma questão de hábito.
Essa fluência ágil está pertinente não apenas com a capacitação dos membros da equipe, mas também com as estruturas de gestão, com os relacionamentos, a cultura organizacional e práticas da equipe.
Para conquistar a fluência ágil, uma equipe deverá passar por 4 estágios distintos:
- Foco no Valor (Atuar na Cultura na Equipe);
- Entrega de Valor (Atuar nas Habilidades da Equipe);
- Otimização de Valor (Atuar na Estrutura Organizacional);
- Otimização Sistêmica (Atuar na Cultural Organizacional).
Evolução e Maturidade de uma Equipe Ágil
Howard (2011) e Rogers (2011) destacam que sempre que uma nova equipe é formada, naturalmente, um processo de maturidade acontece. É notável que uma equipe que acabou de se formar não trabalhe com a mesma produtividade e dinamismo que uma equipe cujos membros já tiveram algum tempo para conhecer os seus pontos fortes e suas dificuldades.
Rubin (2012) evidencia que métodos ágeis requerem verdadeiras equipes, não apenas grupos. E verdadeiras equipes ágeis são formadas de pessoas, com uma diversidade de habilidades, que trabalham colaborativamente com uma visão compartilhada para atingir determinados objetivos.
Rubin (2012) evidencia que métodos ágeis requerem verdadeiras equipes, não apenas grupos. E verdadeiras equipes ágeis são formadas de pessoas, com uma diversidade de habilidades, que trabalham colaborativamente com uma visão compartilhada para atingir determinados objetivos.
Turnover: é uma palavra que na área de recursos humanos se refere ao movimento de rotatividade de colaboradores em uma empresa.
Em 1977, Bruce Tuckman, criador da teoria das dinâmicas de grupos, publicou uma artigo chamado “Estágios de Tuckman” que descreve esse processo de maturidade em quatro estágios: formação, confronto, normatização e performance.
Estágios de Tuckman Fonte: Gomes |
Cada um dos estágios possui algumas características próprias, segundo Gomes:
- Formação: este é o primeiro estágio pelo qual uma equipe recém formada passará, é o momento em que os membros da equipe começam a conhecer uns aos outros, procuram entender quais são as habilidades de cada um e as tendências de comportamento de cada pessoa. Nesse estágio também se estabelecem os primeiros objetivos coletivos e completam-se algumas tarefas, mas a ênfase das pessoas ainda é mais individual do que coletiva.
- Confronto: conflitos aparecem à medida que diferentes ideias para atingir objetivos vão surgindo e as metas coletivas identificadas no estágio de formação são questionadas. Alguns membros podem se abalar por essa situação. Uma liderança forte é extremamente importante para que a equipe passe por este estágio.
- Normatização: é neste estágio que as pessoas realmente passam a priorizar os objetivos coletivos da equipe sobre os objetivos individuais de cada membro, por isso, a equipe consegue entrar em consenso mais facilmente.
- Performance: a equipe já possui todas as competências necessárias para atingir seus objetivos, todos estão comprometidos e motivados, e atuam com verdadeiro espírito de equipe, pensando em termos de "nós" em vez de "eu" ou "eles". Conflitos são facilmente solucionados.
Maturidade Ágil
Gomes salienta que além de uma equipe unida e forte que saiba trabalhar colaborativamente, é preciso aprender a se trabalhar com métodos ágeis e amadurecer na utilização das práticas ágeis.Cockburn (2006) traz o método de aprendizagem desenvolvido no Japão a mais de 4 séculos atrás, chamado Shu-Ha-Ri, que consiste em três níveis de habilidades que podem ser utilizados como referência para qualquer nova prática, habilidade ou competência a ser aprendida, inclusive métodos ágeis. Os três estágio são:
Shu Ha Ri Fonte: Gomes |
Shu: representa o primeiro estágio da aprendizagem de uma habilidade, em que é necessário se construir a base, a fundação do que se está aprendendo. Isso significa que o aprendiz busca observar, copiar e imitar o que alguém que já tem experiência faz, geralmente, um mestre. Neste estágio é mais eficiente seguir regras do que tentar improvisar ou modificar técnicas.
Gomes aponta que uma equipe que está começando a trabalhar com métodos ágeis, certamente, por algum tempo estará nesse estágio. O mesmo continua afirmando que é um momento importante para seguir as regras do método numa abordagem "by-the-book", ou seja, sem alterações ou improvisos.
Ha: esse é o segundo estágio, em que o estudante já começa a pensar mais profundamente sobre os porquês das coisas, quebra algumas regras, e rompe um pouco com a tradição. Agora, já é possível refletir sobre o que foi aprendido e compreender melhor os princípios em vez de apenas repetir ou seguir regras.
Gomes complementa revelando que é nesse estágio que algumas adaptações ao contexto podem começar a surgir, novas práticas são inseridas e insights de experiências passadas servem como base para tomadas de decisão. Agora, mesmo que as coisas mudem um pouco em sua forma (práticas, papéis e reuniões), a equipe estará pronta para manter a essência da agilidade (entregas frequentes, respeito às pessoas, comprometimento, colaboração, comunicação, etc.).
Ri: de acordo com Adkins (2010), neste último estágio, a prática já se torna parte de quem está aprendendo e, apesar de ainda seguir algumas regras (mesmo aquelas que foram quebradas e reinventadas), tudo parece ser natural, e o aprendizado vem da prática e da experiência.
Conforme Gomes, uma equipe pode estar em estágios diferentes dependendo da referência, por exemplo, um time pode estar no estágio Ri em se falando de entregas frequentes, mas pode estar no estágio Shu em relação à programação em par.
Uma lição importante deste modelo é que há um momento certo de maturidade para se quebrar as regras, adaptar e improvisar. Por exemplo, uma equipe que está utilizando métodos ágeis, se num momento precoce tentar adaptar ou quebras as regras, antes de ter compreendido mais profundamente os princípios, corre o risco de estar fazendo alguma outra coisa qualquer e a continuar chamando de métodos ágeis.
Ordem, Caos e Complexidade
Pense em uma equipe de desenvolvimento de software que não possui nenhuma regra comum entre os membros da equipe (sem ordem), cada um escreve código da maneira que achar melhor, uns escrevem testes outros não, alguns utilizam certas convenções, outros utilizam outras, cada um trabalha em suas linguagem de programação preferida, alguns trabalham no escritório outros de casa, cada um define sua frequência de integração do código, ou seja, caos total. Por outro lado, uma equipe que está no extremo da ordem possui regras para tudo, não tem nenhuma liberdade para expressar sua criatividade ou para solucionar os problemas, todos os horários estão definidos, as tecnologias, as linguagens de programação, o que se pode fazer, o que não se pode fazer. Há pouca ou nenhuma variação.Segundo Appelo (2011), os métodos ágeis são uma resposta ao caos e à ordem, e propõem um cenário que está justamente no meio termo: a complexidade. Muitos autores chamam isso de "a beira do caos". É necessário um pouco de ordem para que o sistema possa se auto-organizar para atingir um determinado objetivos, não mais do que isso, e essa "ordem" geralmente está presente nos métodos ágeis na forma de restrições.
Complexidade Fontes: Gomes |
Appelo (2011) alega que em uma abordagem ágil, o trabalho do gestor não é criar regras na organização, mas certificar-se de que as pessoas podem criar suas próprias regras juntas, e é justamente esse esforço conjunto que permite que o sistema alcance "a beira do caos". Nesta visão, a gestão ocupa-se apenas com algumas restrições de alto nível. O resto pode ser definido pela própria equipe, e é nesse cenários que a auto-organização acontece, porque ela tem liberdade para criar suas próprias regras e tomar decisões. Vale lembrar que quando todas as decisões vêm de cima para baixo, não há auto-organização, porque a auto-organização requer empoderamento, e o mesmo requer confiança. A gestão precisa fazer um investimento de autonomia para que a equipe possa tomar decisões e se organizar da forma mais eficiente para atingir os objetivos da organização, defende Gomes.
Gomes expõe que a auto-organização por si só, não é boa, nem ruim e pode levar a qualquer resultado. Por isso, é essencial que a equipe se auto-organize em torno de um objetivo e de metas importantes para o sucesso. É como se a gestão apontasse aonde a organização quer chegar e qual é a direção a seguir, mas a equipe teria autonomia suficiente para decidir qual é a melhor forma de se chegar até lá.
O que você aprendeu
Diversas empresas passaram a se interessar por métodos ágeis apenas porque grandes empresas do mercado estavam utilizando, porém não buscaram entender a essência e ficaram apenas na forma. Este artigo serviu para apresentar ao leitor a fluência ágil, a evolução e a maturidade de uma equipe ágil. Você aprendeu, especificamente:- O que é fluência ágil.
- Os quatro estágios para conquistar a fluência ágil.
- Evolução de uma equipe ágil.
- Os quatro estágios da maturidade de uma equipe ágil.
- Os três níveis de maturidade ágil.
- Ordem, caos e complexidade no contexto ágil.
Continua em
Agile - Foco em valor para o negócio
Continuação de
Agile - Kanban
Referência Bibliográfica
APPELO, J. Management 3.0: Leading Agile Developers, Developing Agile Leaders. 01. ed. Boston: Addison-Wesley Professional, 2011. 464 p.
ADKINS, L. Coaching Agile Teams: A Companion for ScrumMasters, Agile Coaches, and Project Managers in Transition. 01. ed. Boston: Addison-Wesley Professional, 2010. 344 p.
COCKBURN, A. Agile Software Development: The Cooperative Game. 02. ed. Boston: Addison-Wesley Professional, 2006. 504 p.
GOMES, A. F. Agile - Desenvolvimento de Software com entregas frequentes e foco no valor de negócio. 01. ed. São Paulo: Casa do Código. 208 p.
HOWARD, K; ROGERS, B. Individuals and Interactions: An Agile Guide. 01. ed. Boston: Addison-Wesley Professional, 2011. 240 p.
RUBIN, K. S. Essential Scrum: A Practical Guide to the Most Popular Agile Process. 01. ed. Boston: Addison-Wesley Professional, 2012. 500 p.
SHORE, J; LARSEN, D. The Agile Fluency Model. Publicado em: 2018. Disponível em: <https://martinfowler.com/articles/agileFluency.html>. Acesso em: 10 fev. 2019.
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